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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

RELIGIÕES E BIOÉTICA


ROMA, segunda-feira, 23 de janeiro de 2012 (ZENIT.org) - Durante o processo de elaboração da Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos, da UNESCO, houve uma sessão dedicada a ouvir os representantes das principais religiões do mundo. No dia seguinte, enquanto se analisava o esboço da declaração, um membro do Comitê Internacional de Bioética comentou que a grande maioria da população do mundo se identifica com alguma religião e, portanto, não poderiam ser deixadas de lado as visões religiosas sobre questões importantes e delicadas como as que são abordadas pela Declaração.
A bioética fala de vida e de morte, de saúde e doença, de sofrimento, de dignidade da pessoa humana, etc. São questões que afetam diretamente a religião e as religiões. Antes de tudo, no sentido da experiência religiosa pessoal, como parte fundamental do horizonte de sentido que cada um dá para a própria vida e, portanto, para a própria morte, saúde e doença. E também no sentido de confissão religiosa comunitária, institucional. As comunidades de crentes das várias religiões, os seus representantes, têm falado com freqüência e se expressado sobre as questões da bioética, na posição de pessoas envolvidas com a experiência real dos membros das suas comunidades.
Existem, entre as diferentes denominações e visões religiosas, muitos elementos em comum, profundamente enraizados, no tocante às temáticas da bioética. A bioética constitui, por isso, uma interessante plataforma para o diálogo e para a colaboração entre os fiéis das religiões no mundo e entre os seus representantes. Um diálogo sincero e aberto sobre questões que afetam todos os crentes e a respeito das quais existem importantes elementos de harmonia e de entendimento pode ajudar a fomentar o respeito mútuo e, por conseguinte, a paz entre os povos.
A "bioética pacífica", defendida, por exemplo, por U. T. Enghelhart, não pode ser alcançada com a renúncia banal às próprias convicções, como pretende esse bioeticista texano, mas com o entendimento sincero e convicto que pode nascer do diálogo aberto e honesto.
Estas são as razões que levaram o Departamento de Bioética do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum (APRA) a organizar duas grandes conferências sobre "Bioética e Religiões", em Jerusalém e em Roma. Estudiosos de bioética pertencentes às três grandes religiões monoteístas (judeus, cristãos e muçulmanos) se reuniram numa atmosfera de abertura para compartilhar a sua visão da bioética.
Os encontros foram organizados em parceria entre a FIBIP (Federação Internacional de Centros de Bioética de Inspiração Personalista) e a Cátedra UNESCO em Bioética e Direitos Humanos (ligada à Faculdade de Bioética do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum de Roma). A Cátedra UNESCO dedicou a sua jornada (chamada de "Cultura da vida e religiões") aos fundamentos, interesses e principais temas e métodos utilizados pela bioética inspirada por cada uma das três tradições religiosas. A Cátedra lançou em Jerusalém, em 2009, uma série de encontros sobre o diálogo das religiões em questões de bioética, e realizou a sua segunda sessão em Roma, em outubro de 2011, ampliando a participação para outras religiões. Por sua vez, a FIBIP concentrou o seu próprio congresso internacional anual no tema "Bioética, direito e religião nas questões sobre o fim da vida".
A edição número 3/2009 da Studia Bioethica reúne relações de caráter fundamental que foram apresentadas nos dois dias da conferência de Jerusalém. A primeira contribuição aborda a relação entre a ética, a lei e a religião, falando em geral. As outras conferências apresentam uma visão global que caracteriza a bioética nas tradições judaica, cristã e muçulmana.
É interessante notar o terreno comum, profundo e vasto, em que os reflexões e as exigências éticas se enraízam nas três religiões. A vida humana é, para todos nós, um dom precioso do único Deus Criador. Nós estamos todos convencidos, portanto, da "santidade da vida", que não pode ser suprimida com base na própria opinião sobre a sua "qualidade". Cada ser humano, criado por Deus, goza de uma dignidade intrínseca excelsa, que deve ser respeitada e promovida por todos, inclusive no caso de intervenções médicas de pesquisa, diagnóstico e tratamento.
Mesmo nas questões sobre o final da vida nós temos visto uma notável harmonia de pontos de vista. Diferenças maiores aparecem nos temas relacionados com o início da vida: aborto, reprodução assistida, contracepção, etc. Não no sentido de que alguma das três religiões não considere cada vida humana como sagrada, mas porque há visões diferentes, especialmente ligadas às próprias tradições, sobre o ponto inicial da vida e, portanto, sobre o respeito devido aos seres humanos nos primeiros estágios da sua existência.
Estas divergências se devem em boa medida a diferenças metodológicas. Por um lado, a referência aos textos sagrados de cada religião é uma plataforma de fundo bastante harmonioso. O que muda são as maneiras de ler os textos, de obter ou não os dados oferecidos pela razão a partir de uma leitura da chamada "lei natural", o peso mais ou menos decisivo das próprias tradições e o papel dos líderes religiosos de cada comunidade. Existem diferenças entre o pensar do magistério católico, o dos líderes espirituais de outras denominações cristãs, o papel dos rabinos ou o dos guias espirituais dentro do islã.
As diferenças entre as três religiões e a plataforma comum nas questões de fundo e em muitas questões específicas constituem um desafio para a reflexão pessoal e para o diálogo. Um diálogo que não se fecha nos horizontes dos crentes, mas, pelo contrário, se abre para todos os membros da nossa sociedade, sejam crentes ou não.
Pe. Gonzalo Miranda, LC *
* O autor é decano da Faculdade de Bioética do Ateneu Pontifício Regina Apostolorum
Fonte: http://www.zenit.org/article-29538?l=portuguese

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