A redução de danos – que o governo federal pensa em aplicar a gestantes dispostas a realizar abortos clandestinos – é, na verdade, uma rendição: desiste-se de apontar o caminho correto para mostrar às pessoas como se degradar “com responsabilidade”
O Ministério da Saúde está estudando a adoção de uma política de redução de danos para mulheres que decidirem fazer um aborto clandestino, segundo reportagem publicada ontem pelo jornal Folha de S.Paulo. De acordo com as próprias fontes do ministério, o modelo ainda está em avaliação, mas consistiria em oferecer à gestante informação sobre os riscos à saúde decorrentes do aborto clandestino e os métodos existentes para a eliminação do feto. A ideia é mais uma manobra para, por vias tortas, implantar uma legalização de fato (ainda que não de direito) do aborto no Brasil.
Esta política é reprovável por vários motivos, um dos quais é legal. No Brasil, o aborto é crime, embora sem punição nos casos de estupro, risco de vida para a mãe e anencefalia (este último, após decisão do Supremo Tribunal Federal). Uma situação em que o sistema de saúde orienta gestantes sobre como fazer abortos correndo menos riscos equivale a uma cumplicidade com o crime. A argumentação de Helvécio Magalhães, secretário de Atenção à Saúde do ministério, segundo a qual o crime é apenas o aborto em si, e não a oferta de informação para cometer o ato, não se sustenta, já que o artigo 29 do Código Penal prevê pena igual para “quem, de qualquer modo, concorre para o crime (...) na medida de sua culpabilidade”.
Não se trata de minimizar a aflição de uma gestante que, muitas vezes constrangida por circunstâncias familiares ou financeiras, decide abortar; mas é fato que todo aborto provocado é a eliminação deliberada de um ser humano indefeso e inocente. O modelo uruguaio, em vigor desde 2004 e que seria a inspiração da proposta brasileira, prevê um aconselhamento sobre alternativas ao aborto, como a entrega do filho para a adoção; a partir desta conversa, a gestante ainda ganha tempo para refletir sobre a decisão a tomar. Este é o único aspecto louvável da política que o Ministério da Saúde vem estudando, pois busca preservar o direito da criança à vida.
O próprio conceito da “redução de danos”, que já costuma ser aplicada em casos como os de dependentes de drogas, esconde uma perversidade. Ele parte do pressuposto de que, já que o indivíduo vai, inevitavelmente, cometer atos degradantes, é melhor agir para que as consequências dessas ações sejam minimizadas. Mas a redução é, na verdade, uma rendição: desiste-se de apontar o caminho correto para mostrar às pessoas como se degradar “com responsabilidade”. Na prática, a redução de danos cria duas categorias de pessoas: aquelas que podem acabar com si mesmas, desde que no processo não prejudiquem os demais; e o restante da população, que não “mereceria” ser vítima da falta de conscientização alheia. É uma ofensa à dignidade daqueles que deveriam ser dissuadidos de suas más ações, cometidas muitas vezes porque já falta a esses indivíduos o domínio de si próprios.
A população brasileira não quer o aborto livre – fato demonstrado por inúmeras pesquisas. Todas as tentativas de legalizar a prática foram, até o momento, barradas pelo Congresso Nacional. É lamentável que, na contramão do desejo dos cidadãos e da garantia do direito fundamental à vida, o governo federal siga insistindo em maneiras de contornar a legislação e permitir a eliminação indiscriminada de inocentes.
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