DO LADO DE LÁ
Pai depois de morrer
Por pe. John Flynn, L.C.
ROMA, domingo, 3 de julho de 2011 (ZENIT.org) – Uma série de casos recentes, em que foi utilizado esperma congelado para a concepção de filhos depois da morte do pai, tem atraído a atenção mundial para o aumento desta prática.
Um dos casos em foco foi o de Jocelyn e Mark Edwards, de Nova Gales do Sul, na Austrália. Eles deveriam assinar os documentos de consentimento para começar o tratamento de fecundação in vitro, mas o marido morreu num acidente na véspera da assinatura (Sydney Morning Herald, 24 de maio).
Sua mulher obteve uma ordem judicial para conservar o esperma do marido e agora conseguiu a sentença que lhe permitirá dispor do material. As leis estatais proíbem o uso do esperma após a morte do homem, a não ser que ele tenha deixado consentimento expresso, mas o Tribunal Supremo de Nova Gales do Sul aceitou o testemunho apresentado pela mulher, segundo o qual o marido declarara, alguns anos antes, o desejo de que ela tivesse o filho caso algo lhe acontecesse.
Matéria de 3 de junho no site da revista Time informa que é relativamente comum que soldados em missões de combate congelem seu esperma para as esposas poderem ter filhos caso eles morram.
As circunstâncias podem variar e fazem surgir novas questões sobre a prática. O artigo da Timecita um caso de Israel em que os pais de um rapaz morto no ano anterior queriam um neto, utilizando o esperma do filho falecido, Ohad Ben-Yaakov, que não era casado nem tinha namorada. Seus pais queriam contratar uma mãe de aluguel.
Gêmeos
Da Rússia vêm notícias de um caso semelhante. O filho de Lamara Kelesheva morreu de câncer, mas, com o esperma conservado antes de começar a quimioterapia, sua mãe contratou uma barriga de aluguel para conceber dois pares de gêmeos (Russia Today, 7 de junho).
Nos dois anos posteriores à morte do filho, cinco tentativas falharam. Kelesheva fez um último esforço com duas mães de aluguel simultaneamente. Ambas engravidaram e deram à luz seus netos, em 6 e 8 de janeiro (Pravda, 10 de junho).
A polêmica levou o casamento da própria Kelesheva ao fim. Ela agora está empenhada numa batalha legal para ser reconhecida como a mãe das crianças, e seu filho falecido como o pai.
O registro civil de Moscou recusou-se a registrar os recém-nascidos. Kelesheva apelou para o Tribunal Municipal de Moscou. A lei russa permite o recurso a barrigas de aluguel somente para casais de marido e mulher.
“Todos estes exercícios de biomecânica levam a esta situação ambígua, em que você tem que falar da diferença entre um filho e um neto”, afirma o ativista pró-vida Andrey Khyesyuk aoRussia Today.
Outro caso peculiar é o de um homem de 57 anos, que por razões legais não pode ser identificado. Ele guardou seu esperma em 1999, temendo que tratamentos médicos o tornassem infértil.
Depois de separado, sua ex-mulher usou o dinheiro do acordo de divórcio para conceber dois filhos utilizando o esperma do ex-marido (Telegraph, 29 de maio). A mulher falsificou a assinatura dele nos formulários de autorização e o homem só soube do fato três anos depois. Nasceram uma menina e um menino, em 2001 e 2003 respectivamente.
Desde a descoberta, o pai gastou “um grande montante em dinheiro” em processos judiciais contra a ex-mulher. Ele tem acesso limitado aos próprios filhos.
Anonimato
Embora os filhos de pais falecidos cresçam sabendo quem foi seu pai, há muitas crianças concebidas por fecundação in vitro que não terão esta informação.
Newsweek analisou a situação em artigo de 25 de fevereiro. Nos Estados Unidos, em geral, as crianças concebidas com esperma de doadores não têm informação de quem é seu pai. Em muitos casos, o registro dos doadores é destruído.
Um crescente número dessas crianças, ao chegar à vida adulta, pressiona para mudar a situação. O artigo narra os esforços de um deles, Alana S., que criou a organizaçãoAnonymousUs.orgpara crianças, famílias e doadores.
Alguns países criaram leis para exigir que a informação sobre os doadores de esperma e óvulos seja acessível, mas a indústria da fecundação in vitro nos Estados Unidos continua muito pouco regulada.
Alana S., que hoje tem 24 anos, diz que muitas crianças concebidas por doadores se consideram como uma espécie de “monstros da natureza”.
Mesmos em países que possuem legislação a respeito, a situação está longe de ser perfeita. Em 10 de fevereiro, um comitê do senado australiano publicou “Práticas na Concepção através de Doadores na Austrália”.
O relatório aponta a inconsistência das posturas dos estados e territórios quanto à informação acessível às pessoas concebidas graças a um doador.
Outra preocupação do texto se refere ao risco de que as pessoas concebidas por intermédio de doador venham a ter relações consanguíneas sem saber, devido à falta de acesso à informação sobre o doador. A possibilidade não apenas aumenta o risco de doenças genéticas graves, mas pode também ter notáveis consequências sociais, adverte o relatório.
O comitê recebeu várias sugestões para que seja limitado o número de famílias que um mesmo doador possa ajudar. Segundo informação do Victorian Infertility Counsellors Group,não é raro que pessoas concebidas graças a um doador descubram que têm até vinte irmãos genéticos.
Incoerência
Em outras comunicações se comentavam as posturas incoerentes entre os estados e territórios a respeito do registro de doadores. Isso significa que não maneira de saber ou controlar com exatidão o número de famílias às quais ajuda um doador particular.
Outra questão faz referência à falta de controle dos dados, o que faz que seja difícil assegurar que as clínicas estão cumprindo os limites das doações. Um exemplo apresentado no relatório tinha a ver com uma clínica que importava esperma dos EUA que seria usado unicamente nessa clínica. Mais tarde se descobriu que esperma do mesmo doador tinha sido importado por outra clínica em New South Wales e utilizado por algumas famílias de tal estado.
Apesar das últimas mudanças para tornar mais fácil aos filhos obter informação sobre seus pais doadores, muitos dos que atingem a idade adulta não têm acesso aos registros, devido às restrições prévias junto aos doadores para manter seu anonimato.
O relatório cita o testemunho de Narelle Grech, que explicou como isso a afetou.
“Não consigo descrever até que ponto é para mim desumanizante e frustrante que o nome e os detalhes de meu pai biológico e de toda minha família paterna estejam trancados em um armário, sem possibilidade de eu ter acesso. Dizem-me que não tenho direito de ter conhecimento da informação sobre minha própria família, minhas raízes, minha identidade”, afirma.
No Canadá, essas situações foram descritas como discriminatórias e inconstitucionais pela juíza do Supremo Tribunal Elaine Adair.
A juíza decidiu a favor de um processo colocado por Olivia Pratten, que pedia para ter os mesmos direitos dos filhos adotados (Vancouver Sun, 19 de maio).
O filho não é um direito, mas um dom, assinala o Catecismo da Igreja Católica no número 2378. O filho não pode ser considerado um objeto de propriedade, algo ao que conduziria ao reconhecimento de um suposto direito ao filho.
Entre as muitas e graves objeções morais à fecundação in vitro está a de ter levado a que as crianças sejam tratadas como mercadorias. As consequências disso se podem ver nos tribunais e nas famílias.
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